20070728

Os autores dos direitos

Foram encerrados três sites portugueses que disponibilizavam conteúdos multimedia à revelia dos direitos de autor.

Da reportagem do Telejornal não liguei ao chorrilho de banalidades despejadas pelos agentes da PJ como aquela de poderem accionar criminalmente os utilizadores do serviço. Estamos a falar de 200 mil “criminosos”. Só o facto de alguém aventar a hipótese já é, quanto a mim, motivo para suspeitar da sanidade mental de quem profere tamanha barbaridade. Como é que faziam? Entupiam os tribunais para as próximas duas gerações ou faziam um sorteio? Talvez pudessem pôr a Maria José Morgado a chefiar uma “equipa especial” que tratasse do caso.

No entanto quem aventou publicamente a hipótese foi a própria responsável pela operação e pelo encerramento dos sites. Não ponho em causa a sua competência, pelo que a razão só pode ser outra: o de tentar dissuadir as pessoas de fazerem os downloads. Para isso até chegou a dizer que tinha a informação dessas 200 mil pessoas. Assustador se não fosse cómico.

A mensagem final, vincada pelo José Alberto Carvalho, era para que os pais controlassem os downloads dos filhos não fosse um dia destes a PJ bater-lhes à porta. E pronto: já temos um par de judites informáticos em cada lar português.

Para se perceber melhor a situação, de seguida apareceu o presidente da Associação fonográfica que falou da treta do costume sobre proteger os autores. Vi logo que ali havia “rabo com gato de fora”. E que gatarrão. Ao lado estava o Tim dos Xutos. Explicou que o download legal de uma música dos Xutos custa 99 cêntimos, mas para o Tim músico só vai 1 (um!) cêntimo. Um por cento! É quanto valem os direitos de autor para os senhores da indústria.

Aliás Tim fez a comparação com o vendedor da fruta: se quero vender tenho que por a fruta ao pé da rua. É inevitável que alguém passe e leve alguma. Faz parte do negócio. Afinal nem são os artistas que mais se revoltam com isto (não estou a falar do Veloso ou do Represas) mas sim os tipos da massa.

Está nas mãos destes senhores ajudar a moralizar esta situação. Bastava que abrissem mão das margens que guardam para si e por abaixamento do preço tornassem os downloads cada vez menos atrativos. Talvez até conseguissem aumentar os lucros. Então a máxima do governo a propósito do “peça a factura, o país agradece” (um dia hei-de falar do assunto) de que quantos mais pagarem você paga menos é apenas treta? Deve ser, porque nem os impostos nem os preços dos discos e dos filmes baixam.

Post scriptum:

Nem de propósito. No JN de hoje, na rubrica FARPAS, responde o Rui Reininho.

Pergunta: Já encontrou CD piratas dos GNR à venda?

Resposta: Já. E já me pediram para os autografar. Tenho uma posição contraditória. Vivemos disso e é um roubo, mas reconheço que o preço das coisas é escandaloso.

Nem mais! (isto agora sou eu a dizer)

Acerca doutro assunto, na mesma entrevista:

Pergunta: Foi convidado para o Prós e Contras sobre o Porto?

Resposta: Fui, mas estava doente. Não vi, mas disseram-me que foi desagradável. Os meninos ricos a contar que Lisboa não lhes dava dinheiro, não foi?

Ah, ganda Reininho.

20070404

Powerpoint

Agora que o powerpoint foi promovido a técnica de gestão, não resisto a colocar esta tira enviada por um amigo.


Quem quiser ver o original pode ir ao site do Dilbert. É quase tão brutal como a realidade...


20070323

História de Portugal (muito resumida)

Tudo começou quando um gajo, para que não lhe chamassem menino da mamã, resolveu distribuir porrada pela família e criar um país só para ele, a que chamou Portugal. A uma dada altura os portugueses foram à Índia buscar pimenta e pelo caminho descobriram o Brasil. Depois vieram os subsídios da CEE.

Bíblias nos quartos de hotel

Não percebo esta história das bíblias nos quartos de hotel, sendo Portugal um país laico. Há ainda um pormenor curioso: na maioria das vezes nem sequer é a bíblia completa, trata-se apenas do Novo Testamento. Já que não colocam o Alcorão ou a Tora, ao menos colocavam também o Antigo Testamento, sempre era mais democrático.

Se tivesse o Antigo Testamento, talvez eu desse uma vista de olhos, aquilo está cheio de guerras, sangue e cataclismos. Agora o Novo Testamento é só paz e amor, não gosto muito. Se calhar é porque não gosto de histórias em que o artista morre ao fim. Eu sei que ele depois ressuscita e diz algo do género “I´ll be back”, mas, passados 2000 anos, ainda estamos à espera da sequela.

Ainda se fosse nos Estados Unidos, podíamos sempre argumentar a tese da conspiração e dizer que as bíblias estavam lá porque continham microfones secretos para nos espiar. Só a hipótese de as bíblias poderem conter microfones no seu interior já revela uma verdade universal: ninguém lê uma bíblia num quarto de hotel. Se o pessoal já leva toalhas, sabonetes e champôs para casa, imaginem o que era depararem com um Sony no interior da bíblia…

Já estou a imaginar a lógica da coisa: Portugal é um país maioritariamente católico e é simultaneamente muito religioso e muito esquecido. Quer ler e rezar sobre a bíblia todas as noites, mas sempre que vai de viagem esquece-se de a pôr na mala. Estou-me a lembrar de muitos artigos que às vezes me esqueço de pôr na mala, mas nunca me esqueci da bíblia.

A única explicação é que se trata de uma conspiração de Paços de Ferreira: as bíblias já vêm com os móveis quando os hotéis são construídos. Quando alguém repara já é tarde. Mesmo eu, um ateu convicto, teria relutância em atirar o livro sagrado para o caixote do lixo. Por isso lá fica, faz parte (literalmente) da mobília.

20070308

A lei do referendo é matematicamente não vinculativa

Decidi deixar passar tempo suficiente para que o tema não estivesse tão emocional, para falar deste assunto. E vou usar os resultados do último referendo, para ilustrar a necessidade dos governos terem alguém que perceba de matemática para consultar, antes de mandar cá para fora autênticos disparates.

É que isto de colocar licenciados em direito a mexer com números tem destas coisas: o resultado final da lei é muitas vezes contraditório em relação ao próprio espírito com que a lei é criada.

Um referendo para ser vinculativo deve ter a participação de pelo menos 50%+1 eleitores. Esta é a primeira estupidez: se o número de eleitores for ímpar, por exemplo 8.000.001, quantos eleitores são 50%? 4 Milhões e meio? OK, arredonda-se. Para 4 Milhões ou para 4 Milhões e um? Se utilizarmos as regras da matemática, em números inteiros, metade de 8.000.001 são 4.000.001. Então, neste caso, o referendo para ser vinculativo deveria ter 4.000.001+1 eleitores, ou seja 4.000.002. No entanto, todo a gente está de acordo que 4.000.001 eleitores bastariam, porque é superior a metade dos eleitores. A probabilidade de um cenário destes é quase nula (está ao nível quântico) mas cria, em teoria, a possibilidade da existência dum eleitor do queijo Limiano.

Imaginem o que seria esta regra transposta para as organizações mais pequenas, com 3 ou 5 sócios. O que salva a lei do referendo, é outra lei, bem mais abrangente, a lei dos grandes números.

Afinal, o que tem o referendo a ver com isto?

O número de eleitores oficiais à data do último referendo era de 8.832.628. Para ser vinculativo bastariam votar 4.416.315. Se tivessem votado estes, bastaria que um dos lados tivesse 2.208.158 votos para passasse a ter força de lei. O SIM teve 2.238.053 votos. Ou seja mais 29.895 votos que o necessário. No entanto não teve decisão de lei. E porquê? Porque não votaram um número suficiente de adeptos do NÃO.

Faltaram 564.702 votantes para o referendo ser vinculativo. Se todos estes tivessem ido votar e tivessem votado NÃO, os resultados seriam os seguintes:

VOTANTES: 3.851.613 + 564.702 = 4.416.315 (50%+1)

SIM: 2.238.053 + 0 = 2.238.053

NÃO: 1.539.078 + 564.702 = 2.103.780

O SIM teria ganho de forma menos expressiva, mas seria vinculativo. Assim, porque os nossos deputados não percebem nada de Matemática, ainda se anda às voltas na Assembleia a discutir o que já devia estar decidido.

20070302

A hiper-identidade nacional

Vem este post a propósito de um comentário anterior, que desde já agradeço. E escrevo-o porque se trata de um dos meus assuntos preferidos e com que costumo chatear a paciência dos meus amigos: a identidade nacional. Não sei se partilha da mesma opinião, mas o(a) autor(a) faz referência a Eduardo Lourenço, que advoga que “temos uma hiper-identidade nacional fortíssima que nos manteve sempre unos e sem indícios de separatismos”.

Longe de mim discordar de tão brilhante pensador, mas o que ele diz não é novidade nenhuma. Se fizermos a pergunta a 100 “pensadores”, pelo menos 99 e meio estarão de acordo com ele. O meio pensador é só para esta sondagem mental estar dentro do intervalo de confiança.

Só existe um problema: eles estão errados!

Para o Sr. Eduardo Lourenço só tenho uma palavra: Olivença. Aquilo foi português durante 504 anos e, à falta de melhor palavra, foi ocupada pelos espanhóis em 1801. Até hoje. E os 206 anos de ocupação criaram, para usar as palavras de Eduardo Lourenço, “uma hiper-identidade nacional fortíssima que os manteve sempre unos (a Espanha) e sem indícios de separatismos”.

Aliás, é a primeira vez que vejo uma hiper-nacionalidade originar ausência de indícios de separatismo. Deve ser mais uma originalidade portuguesa. Já conhecia as hiper-nacionalidades separatistas dos bascos, dos irlandeses, dos croatas e dos sérvios, até dos sicilianos e dos corsos. Agora também temos que colocar nos compêndios a hiper-nacionalidade light, tipo “a que país pertencemos? Portugal? Pode ser”. Parafraseando a Floribela, essa grande pensadora dos nossos dias, temos uma nacionalidade hiper-mega-super.

Haveria muito mais para dizer acerca do assunto, mas o texto tornar-se-ia demasiado extenso. Voltarei ao assunto, quando tiver oportunidade. Entretanto deixo a porta aberta para receber outras opiniões, especialmente o meu amigo de terras de sua majestade. São sempre bem-vindas. Quem sabe, até posso mudar de opinião, afinal sou português…

*********

Post Scriptum

Deixo aqui o que escrevi em Dezembro a propósito do tema:

Mas que raio de identidade existe nos portugueses? Um algarvio de Monchique tem tanto a ver com o galo de Barcelos como um maori com uma rena da Lapónia. Por muito que me custe dizer isto, há muito mais de “identidade” lusitana no Eusébio e na Amália (e não estou a falar das lontras do oceanário) que nas obras do Saramago ou nos discursos do Cavaco. Acho mesmo que devíamos adoptar o Eusébio e a Amália como símbolos nacionais – agora estou a falar das lontras. Querem algo mais português que um casal de lontras a ser visitado por turistas e alimentado pelo Orçamento de Estado?

20070226

Publicidade Condicional

Aqui vai mais publicidade nojenta, versão 3.

“Sete em cada dez médicos recomendariam Becel”. Recomendariam em que condição? Com uma pistola apontada à cabeça? Com uma viagem às Bahamas? É muito vago.

Viva! O condicional é a última arma do Marketing. Dadas as circunstâncias, até acho que 7 em cada 10 é pouco.

Atrevo-me mesmo a dizer que, com as condicionantes adequadas, 9 em cada 10 leitores deste post recomendariam a sua leitura aos amigos.

20070224

Para lá do Marão

A população de Chaves cortou a estrada que liga Portugal a Espanha junto à fronteira de Vila Verde de Raia. Protestavam contra a possível decisão de despromover a urgência do concelho.

Consta que a população trouxe bandeiras de Espanha para a rua e gritou vivas à monarquia aqui do lado. Reparem neste pormenor: gritavam “viva Espanha” e cortaram a estrada que liga Chaves à fronteira. Não faz muito sentido, pois não? Não deveriam antes cortar a estrada que vai para Lisboa?

Há um ponto que merece ser esclarecido nesta história. Trata-se de saber se a população estava a Norte ou a Sul do corte de estrada. Se estava a Norte, poderia querer dizer que a população de Chaves estava na disposição de emigrar para o país vizinho em sinal de protesto para com a política do ministro da Saúde. A alternativa à emigração, seria pedir a anexação à região da Galiza. Neste caso, deveriam ter feito o corte a Sul de Chaves.

Este caso fez-me recordar a célebre frase “Para cá do Marão, mandam os que cá estão” e a sua versão lisboeta: “Os de lá do Marão, vêm cá de chapéu na mão”.

Têm toda a razão os flavienses ao considerar que deveriam ser tidos e achados nesta questão. Deveria mesmo ser feito um referendo em Chaves, a perguntar se questões como esta deveriam ser decididas em Lisboa, por um ministro arrogante ou se deveriam ser decididas pelos transmontanos.

Espera lá, esta pergunta já foi feita. Aliás, perguntou-se se além destas questões, outras, como a politica de educação, o planeamento estratégico, o ordenamento do território ou os impostos locais, deveriam ser decididos em Lisboa ou em Trás-os-Montes.

Foi no dia 8 de Novembro de 1998. Deixa cá ver o que decidiram os flavienses. Espanto! 64,3% dos flavienses acharam que deveria ser o ministro arrogante a decidir.

Pois bem, o ministro arrogante decidiu.

Os custos da interioridade

Muito se fala dos custos da interioridade. Esta é a maior treta inventada pelos citadinos do litoral e que os rurais do interior engoliram dum trago. E sem copo de água para empurrar.

A região mais interior da Europa ocidental é a Suiça. Comparado com a Suiça, Trás-os-Montes é quase Copacabana. Mesmo Madrid fica mais longe do oceano que Chaves. Interioridade é um eufemismo para alienação. Alienação do direito (e do dever) de decidir.

A culpa é de Lisboa? Não! Deve haver mais transmontanos em Lisboa que em Chaves. O problema não é esse. O problema somos nós, aqueles que vivem naquilo que os lisboetas chamam carinhosamente província. A estigmatização chegou ao ponto de se ter criado a sigla NLVT nos critérios de atribuição de subsídios da União Europeia. NLVT quer dizer Não Lisboa e Vale do Tejo. É o que nós somos. Somos uns NLVT.

Somos como aqueles adolescentes que passam a vida a dizer mal do pai que não lhes dá autonomia e é somítico na semanada. Mas, quando este os manda trabalhar, berra e esperneia, agarrado às saias da mãe. E então contenta-se com a parca semanada e sai porta fora, para a gastar em cigarros e shots de vodka.


******


Ah, esquecia-me de dizer. Se estiverem a pensar pedir a anexação a Espanha, não se esqueçam que por aquelas bandas já existe aquela coisa horrível chamada regionalização. Se estão a pensar em trocar a teta de Lisboa pela teta de Madrid, desenganem-se.

Na Galiza não se pedincha, trabalha-se. E os seus destinos são traçados em Santiago de Compostela de acordo com a vontade dos galegos. De todos os galegos. E de mais ninguém, além dos galegos.



20070206

Referendo

Se há coisa que me irrita é querermos à viva força obrigar os outros a viver segundo o nosso modelo de vida. Eu pensava que o tempo das cruzadas já tinha passado e que a civilização ocidental, depois de duas guerras mundiais e um genocídio, tinha aprendido a ser tolerante. Estava enganado. Esta última década tem-se encarregado de me desmentir.

Vem isto a propósito do referendo do próximo dia 11.

Não fosse o referendo ser uma alteração ao código penal, eu, pelo facto de ser homem, nem deveria ser chamado a pronunciar-me. Porque este é um assunto que apenas à mulher diz respeito. Mulher, assim, no singular e não mulheres, no plural.

E sendo assim, o referendo dos valores morais já foi feito há muito e é irreversível. Aliás, esse referendo é feito diariamente pela consciência de cada mulher que tem que tomar uma decisão.

O código penal actual não impede esta decisão, limita-se a distribuir pedras. Não serei eu a atirar a primeira.

20070201

Metro do Porto inaugura estação do Terreiro do Paço

É um facto. O Metro do Porto vai passara ser gerido a partir do Terreiro do Paço.

A decisão, há muito tomada, é divulgada em plena campanha do referendo, tipo pezinhos de lã. O argumento é simples: as contas do Metro do Porto estão a derrapar e estão nas mãos dos autarcas que são uns amadores. As derrapagens e o esbanjamento devem estar nas mãos de profissionais, a Administração Central. É que um milhão desperdiçado no relatório de contas da Metro do Porto dá muito nas vistas, mas dez milhões encaixados entre a OTA e o TGV não passam duma nota de rodapé.

Tem toda a razão o ministro acerca do esbanjamento da província. Isto de meter nas contas do Metro, a construção e restauro de vias públicas é um desnecessário gasto do erário público. Pegue-se já nesse milhão desperdiçado e contrate-se já uma consultora americana para fazer um estudo acerca da necessidade dessas ruas.

É que, ao contrário das ruas, os estudos são despesas perfeitamente legítimas e justificáveis. E ficam bem em qualquer gaveta.

Publicidade Nojenta 2

Gostaria de saber quem é o responsável pelas campanhas publicitárias do BES. Depois dos 10.8% tem agora um spot que anuncia as maravilhas da taxa fixa e em que, a propósito da Euribor, chama burro aos portugueses.

Com empréstimos a 30 ou 40 anos, com taxa fixa negociada nesta altura, o BES viu um pote de ouro atrás do arco-íris. Num país onde todos se julgam economistas, já estou a imaginar o cenário de muitos portugueses pagarem no futuro o “bom negócio” que fizeram hoje.

Vi o vice-presidente do Millennium BCP, a propósito dos aumentos das mensalidades dos empréstimos devido à subida das taxas de juros, jurar a pés juntos que informavam os clientes acerca da taxa fixa, mas que os clientes preferiam a indexada. Acredito piamente.

Mas, por mais voltas que dê à memória, não me consigo recordar de nenhum anúncio na televisão, de nenhum banco, sobre a taxa fixa nos últimos três anos. Se calhar até houve, mas como não metia burros, não estou recordado.

20070129

As três instituições nacionais

Já a minha avó dizia que existiam três instituições em Portugal: a inveja, a má-língua e o crédito mal parado. Passadas duas gerações, uma mudança de regime, o fim do império colonial, uma integração europeia e uma mudança de milénio, pouco ou nada mudou.

Analisando friamente, estes três aspectos da sociedade portuguesa estão interligados. Se não, vejamos.

Suponhamos que o meu vizinho decide adquirir uma viatura topo de gama que faz questão de estacionar frente à minha janela só para me provocar. Isto vai despoletar uma série de acontecimentos.

1º - Inveja

Este facto vai originar em mim um desejo irrepreensível de também trocar a minha carripana a cair de podre que escondo a três quarteirões de distância. Faço as minhas contas e chego à conclusão que para adquirir uma viatura igual teria que trabalhar 147 anos. Portanto, se eu não consigo comprar, ele também não pode conseguir. Só se for através de meios fraudulentos.

2º - A má-língua

Estou-me nas tintas se foi através do trabalho, da poupança, do totoloto ou doutro meio legal qualquer. O gajo deve andar a fugir aos impostos, a passar facturas falsas ou, pior ainda, a passar droga. Inocentemente, deixo escapar este comentário no café da esquina. De preferência começo a frase por “diz que…”. O sujeito impessoal da frase tem um efeito avassalador. Não foi alguém que me disse. Não. Diz que. É Vox populi.

A partir de agora não adianta ao meu vizinho argumentar que foi uma tia rica da Venezuela que lhe deixou uma herança. Ninguém acredita. Ninguém bate o “diz que”. O melhor é ele começar a procurar nova casa e ir pregar para outra freguesia.

3º - O crédito mal parado

Graças à patriótica estratégia da nossa banca, que prefere emprestar 50.000 euros a um particular para consumir que 10.000 a uma empresa para investir, eu também posso adquirir uma máquina como a do meu vizinho.

O Banco diz-me que o spread isto, a Euribor aquilo, eu não percebo nada mas como estou isento da primeira prestação, aceito e depois logo se vê. Muito portuguesa esta expressão do depois logo se vê, deve-nos estar nos genes desde o tempo dos descobrimentos. Não admira que o povo português seja o povo mais endividado da Europa.

È que, historicamente, nós nunca produzimos nada. Depois das especiarias da Índia, do ouro do Brasil, dos escravos de África, das remessas dos imigrantes, dos subsídios da Europa e do dinheiro dos turistas, temos o crédito da banca.

Epílogo

O mais curioso da história é que, afinal, o meu vizinho também se endividara para adquirir o seu carro, porque não podia ficar atrás do calão do Ernesto, seu colega de trabalho.

20070126

Publicidade nojenta

Inicia-se aqui uma nova rubrica, intitulada “Publicidade nojenta”. Tem a honra de abrir esta rubrica, o anúncio televisivo do BES 10.8%.

Confesso que me faltam as palavras para dizer o que penso acerca do assunto. Não sei se hei-de lamentar a falta de gosto do BES ao esfregar nas fuças dos portugueses a riqueza de uns quantos, ou se deveria antes comemorar a sua honestidade, ao bradar em prime time a lógica da sua política comercial.

E eu que pensava que era impossível bater o spot do Joe Berardo / American Express…

20070124

Devolvam o dinheiro

Vem aí mais uma batelada de euros dos nossos amigos europeus. Agora é que é a última oportunidade. Depois do QCAIII já ter sido a última oportunidade.

Se tivéssemos um pingo de vergonha na cara, tínhamos dito que não queríamos o dinheiro e que o dessem à Roménia ou à Bulgária. Mas não temos um pingo de vergonha. Nem de inteligência.

Depois de vinte anos de ajudas, ao ritmo de um milhão de contos por dia, conseguimos passar de 10º para 20º no ranking do desenvolvimento económico. É obra!

20070109

iPod 2007, R.I.P.

Sempre me fez alguma impressão, os maluquinhos do MAC. Que o sistema é melhor que o Windows não tenho dúvidas. Aliás foi através de um MAC que entrei no mundo dos computadores, há vinte anos atrás.

Agora que digam que estão a combater a ganância e a chulice do Bill Gates também já é demais. A chulice do Bill Gates, apesar de tudo, permitiu que os preços baixassem ao ponto de podermos usar um PC como suporte de prateleiras sem remorsos. Experimentem fazê-lo com um MAC. O engraçado é que 90% dos utilizadores do MAC que eu conheço têm baixo poder aquisitivo e fazem um esforço para combater o demónio Bill Gates em prol do anjo Steve Jobs. Há mesmo quem utilize o MAC para ouvir mp3, porque o som sai com melhor qualidade. Esta é de rir. Consegue-se praticamente a mesma qualidade de som raspando um pau de giz contra um quadro de lousa (peço desculpa aos mais sensíveis que agora ficaram com o ruído na cabeça). Se o mp3 apareceu e se propagou com a velocidade com que o fez, não foi pelas suas qualidades melódicas. Será que estamos a ficar duros de ouvido com tanta poluição sonora?

O PC é uma amante, o MAC é uma esposa

A principal diferença é que ter um MAC é como um casamento. Fazer o upgrade ou trocar pelo último modelo é quase tão caro como um divórcio. Com o PC não. Encaramos aquilo como uma aventura de fim-de-semana, quando muito um namoro passageiro. Quando estamos fartos, cada um vai à sua vida. Outra vantagem do PC é que ele também não tem nenhuma fidelidade para connosco e quando a relação começa a azedar, ele põe ponto final na relação: crasha sistematicamente, apanha vírus ou perde inexplicavelmente gigas de informação da qual não tínhamos backup.

Conheço muita gente que tem dois PC’s sem qualquer problema de consciência. Não conheço ninguém que tenha dois MAC’s. Mesmo quando são obrigados a usar PC no emprego sentem problemas de infidelidade.


A Maçã e o fim do Paraíso

As razões da escolha do MAC tem mais a ver verdadeiramente com um espírito de rebeldia que qualquer outra coisa. Depois vem a qualidade, a fiabilidade, blá, blá, blá,… Serve apenas de desculpa. No entanto, o anjo Steve Jobs tem asas de barro. Afinal ele não é um Che Guevara, é um Fidel Castro.

Os sinais foram sendo fornecidos aos poucos. Quando comecei a ver pessoas a comprarem MAC porque havia em verde, pensei que era altura de fugir a sete pés. Depois apareceu aquele Office para MAC com os ícones amaricados. Era a gota final. Agora até os adeptos fervorosos do MAC enriqueciam o tio Bill. Como se isso não bastasse, Steve Jobs decidiu colocar processadores Intel o que vai fazer com que, com o tempo, o seu sistema operativo se pareça cada vez mais com o Windows.

Fairplay para quem?

A prova derradeira é o sistema Fairplay (reparem no cinismo da expressão). Este sistema impede que o iPod reproduza músicas que não sejam descarregadas através do iTunes. Mais ainda, impede que as músicas do iTunes sejam reproduzidas noutros leitores. Isto permitiu ao iPod e ao iTunes terem, nos EUA, uma quota de mercado de 75% e de 88% respectivamente. O aluno bate o mestre. Ao menos o Bill Gates tem o queijo mas distribui as facas. Pelos vistos os monopólios são permitidos desde que não sejam da Microsoft. Por muito menos o Internet Explorer e o Win Media Player tiveram que sair do pacote do Sistema Operativo Windows porque era concorrência desleal.



DVD Jon – Parte 2

Jon Lech Johansen é um norueguês de 22 anos que em 1998 ficou conhecido por conseguir crackar o sistema anti-cópia dos DVD, facto que originou a sua alcunha. Contratado pela Double Twist, concebeu um software que consegue contornar o Fairplay. A empresa prepara-se para o distribuir em 2007 e a concorrência da Apple e os consumidores agradecem. Será que o caso acaba em tribunal? Veremos.


20061231

Portugal 2025

Só existe uma solução para Portugal a longo prazo: a Matemática. Está mais que provado que é o modo como um país ensina a Matemática aos seus filhos que vai definir como será esse país na geração seguinte. Nesse aspecto Portugal não tem remédio até 2024, resta-nos começar a tratar do Portugal 2025. O futuro de Portugal está nas mãos das crianças que agora vão começar a estudar e que se licenciarão nesse ano. Não há tempo a perder.

Para quem tiver dúvidas acerca desta questão, convido-o a analisar o que fazia a Finlândia - que agora está tanto em voga - em 1986 enquanto nós asfaltávamos alegremente este nosso belo país “à beira mar plantado”. Ou para dar outro exemplo, não tão castigador, veja-se o caso da Irlanda, país igualmente católico e igualmente atrasado há vinte anos atrás. Enquanto Portugal seguia a ditadura do “Betoneira” Amaral, armado em Duarte Pacheco, a Irlanda inundava a minha faculdade (de Ciências) com ofertas de pós-graduações e estágios para as áreas da Matemática, da Física e da Informática. E se o fazia numa faculdade obscura dos confins da Europa, por certo fazia-o noutras faculdades. Aquilo tinha todo o aspecto de um plano a longo prazo. No final do século XX, no advento da sociedade do conhecimento, nós esmagávamos a Irlanda em quilómetros (ou milhas) de auto-estradas e eles tinham ficado com uns ranhosos duns recém-licenciados da geração rasca que mostra o rabo às propinas. Parecia que tínhamos ficado a ganhar e a Irlanda era o nosso consolo, pois estava atrás de nós em quase todos os indicadores de desenvolvimento económico.

De repente ultrapassaram-nos e nós ficámos para trás, inexoravelmente. Agora eles podiam construir tranquilamente as suas auto-estradas porque tinham escolhido a massa cinzenta certa, o cérebro e nós a errada, o cimento.

A prova que o que aqui está escrito é verdade é que apenas 0,001% dos que estão a ler estas linhas se vão dar ao trabalho de fazer a análise que propus atrás. Somos uns madraços no que diz respeito a coisas que só darão frutos a médio e a longo prazo. Por isso é preferível sonhar em ser a Floribela a estudar Matemática. Trocamos o Futuro seguro pelo Presente incerto. Em percentagem da população de jogadores do Euromilhões não há quem nos bata. Tudo serve para fazer fortuna, menos trabalhar. Isso é para os otários.

Mas, ironia das ironias, apesar de não dominarmos a Matemática, ela domina-nos a nós (o pleonasmo deve ser entendido como figura de estilo). Como de resto domina todos os outros. Nos é que não estamos conscientes disso, exactamente por não dominarmos minimamente a Matemática. Como dizia um ex-primeiro-ministro: é só fazer as contas. É porque é muito bonito quando sai o jackpot a um português de Moreira de Cónegos, mas no deve-haver do que se paga e do que se recebe do Euromilhões, Portugal é quem mais contribui per capita para o bolo europeu. No global, esta histeria pelo dinheiro fácil está a tornar-nos mais pobres e a enriquecer os outros. E tudo com um sorriso nos lábios.

A inflação dos 19 valores

Seguidamente vou dar duas sugestões: uma ao país e outra aos pais. Ao país que se deixe de tretas de “indicadores de produtividade” e porcarias do género que só fazem mascarar a verdade. Os indicadores servem para medir a realidade, para a podermos alterar quando os indicadores nos mostram que não estamos a atingir os objectivos. Os indicadores são um meio para atingir um fim. Em política eles são em si mesmo o fim a atingir. E muitas vezes não interessa com que meios. Em Portugal, especialmente no que à Educação diz respeito, a política seguida tem sido o de baixar sistematicamente a fasquia da qualidade para manter os indicadores em níveis que não nos envergonhem. Como resultado, estamos sempre bem a meio do jogo mas no final acabamos sempre por o perder. Colocar máquinas de calcular nas mãos de crianças que ainda usam a primeira dentição foi um erro crasso, uma catástrofe de proporções bíblicas que enterrou Portugal bem fundo no domínio da competitividade e que demorará pelo menos duas gerações a recuperar.

Se Portugal quiser evoluir tem que aumentar a exigência e não diminui-la. Ao diminui-la está a tornar indistinguível um excepcional aluno de um aluno apenas bom e isso é dramático. Ao colocar em pé de igualdade esses dois alunos estamos a cometer uma injustiça pessoal e um suicídio colectivo. Não vos parece estranho, que estando a qualidade média do nosso ensino e dos nossos alunos sistematicamente a baixar, as médias para os cursos mais pretendidas não pare de aumentar? Quantos grandes médicos da próxima década nós já desperdiçámos por não sermos capazes de fazer uma correcta distinção entre candidatos, nesta orgia de inflação das notas?

Vamos fazer um pequeno exercício mental. Suponhamos que uma determinada população escolar tem média de 13 valores. Pela famosa distribuição normal, vamos supor que apenas 5% têm 17 valores ou mais. Agora peguemos noutra que tem média de 10 valores e que 3% tem 17 valores ou mais e que 10% tem mais que 14 valores. Para equilibrar a coisa, baixa-se o nível da avaliação de modo a que a média passe a 13. O que estamos a fazer é “dar” 3 valores de bónus a todos os alunos. A distribuição das notas deslocou-se ao longo do eixo das abcissas. Uma vez que escala tem um limite superior, os 3% que tinham mais que 17 valores são esmagados contra o vinte. Agora temos (numa aproximação grosseira para facilitar a argumentação) 10% dos alunos com mais de 17 valores. Dirão vocês: mas o sistema corrige-se automaticamente, subindo a média de entrada e portanto não se comete nenhuma injustiça. É aqui que está a falácia. Quando se baixa o nível médio de exigência quem beneficia com isso é quem está no grosso da coluna (a maralha) e não quem está nas franjas (os raros). E quando a carreira a escolher depende de décimas estamos a tentar distinguir alunos por valores da grandeza do desvio padrão. Imaginemos o caso extremo: daqui a 20 ou 30 anos tudo o que os alunos têm que saber para entrar num curso de Medicina é saber soletrar o alfabeto. À partida todos teriam 20 valores (acredito que alguns tivessem menos). Como os distinguir nesse caso?

Apesar de este último cenário ser anedótico nos últimos vinte anos percorremos já algum do caminho que vai ao seu encontro. Então, de facto, está cada vez mais difícil distinguir os realmente bons alunos. Para distinguir um Mozart dentro de um grupo de jovens, dá-se-lhes um piano e não um bombo.

O secundário em Portugal está completamente desactualizado. A chamada via de ensino que é utilizada como referencial deveria ser reformulada. À partida todos os alunos deveriam ir para a chamada via profissionalizante. Que raio de ideia. Então não se estuda para no futuro podermos trabalhar? Por definição, qualquer via é profissionalizante. Assim seriam os bons alunos a passar para o nível superior e não os maus a serem escorraçadas para o inferior. Que é elitista e coisa e tal. Em nome de uma falsa “democracia educativa” em vez de termos uma mediania com uma excepção de génios temos uma mediania com uma excepção de burros. E no entanto, o sistema permite que essa distinção elitista se faça, não pelo cérebro mas pelo bolso. Arriscamo-nos que o Einstein português do século XXI, se alguma vez vier a existir, seja um betinho de Cascais de nome Diogo.

Finalmente um conselho para os pais. Se o país não se importar com os seus filhos e não tiver dinheiro para o pôr numa boa escola, ofereça-lhe um livro de Matemática.

20061214

O Poder Local e a identidade nacional

Na segunda-feira discutiu-se nos prós e contras o estado actual da nossa capital. Para além do costumeiro lavar de roupa suja, dos rancores de estimação, vinganças pessoais e auto elogios, pouco se concluiu. O sentimento final que fiquei foi que os lisboetas estão entregues aos bichos. E quando a capital está entregue aos bichos, o resto do país há muito que está fossilizado.

De interessante mesmo, só a intervenção do João Miranda quando pôs o dedo na ferida ao falar da “singularidade do sistema autárquico português” que põe governo e oposição a comer da mesma gamela. Mais interessante ainda foi a reacção de todos os vereadores, do Bloco de Esquerda ao CDS a defender o modelo vigente e das suas virtudes. Aliás, Sá Fernandes salientou (várias vezes) que ele e a “sua equipa”, graças a este modelo já fizeram 3.456 (ou eram mais?) “propostas estruturantes” para salvar Lisboa.

Aliás este sistema é tão bom que devia ser exportado para o país. Ao Sócrates, em vez de levar com a oposição, com o Marques Mendes, o Louçã, o Jerónimo e, quando a agenda o permite, o Ribeiro e Castro, bastava distribuir-lhes uns ministérios. Já estou a ver: o Mendes na Economia, o Louçã na Saúde, o Jerónimo na Segurança Social e o Ribeiro nos Negócios Estrangeiros. Tínhamos um verdadeiro cozido com todos, algo de genuinamente português.

Assim temos o Portugal do oito e do oitenta. Sempre que muda o Governo, começa-se o país de novo como se o que foi feito anteriormente fosse tudo lixo. No poder local nada muda: muitos dos últimos eleitores dos presidentes das câmaras actuais nem sequer tinham nascido quando estes foram eleitos pela primeira vez.

O argumento muitas vezes utilizado é que o poder local tem sido um sustentáculo da identidade portuguesa. Mas que raio de identidade existe nos portugueses? Um algarvio de Monchique tem tanto a ver com o galo de Barcelos como um maori com uma rena da Lapónia. Por muito que me custe dizer isto, há muito mais de “identidade” lusitana no Eusébio e na Amália (e não estou a falar das lontras do oceanário) que nas obras do Saramago ou nos discursos do Cavaco. Acho mesmo que devíamos adoptar o Eusébio e a Amália como símbolos nacionais – agora estou a falar das lontras. Querem algo mais português que um casal de lontras a ser visitado por turistas e alimentado pelo Orçamento de Estado?