20061231

Portugal 2025

Só existe uma solução para Portugal a longo prazo: a Matemática. Está mais que provado que é o modo como um país ensina a Matemática aos seus filhos que vai definir como será esse país na geração seguinte. Nesse aspecto Portugal não tem remédio até 2024, resta-nos começar a tratar do Portugal 2025. O futuro de Portugal está nas mãos das crianças que agora vão começar a estudar e que se licenciarão nesse ano. Não há tempo a perder.

Para quem tiver dúvidas acerca desta questão, convido-o a analisar o que fazia a Finlândia - que agora está tanto em voga - em 1986 enquanto nós asfaltávamos alegremente este nosso belo país “à beira mar plantado”. Ou para dar outro exemplo, não tão castigador, veja-se o caso da Irlanda, país igualmente católico e igualmente atrasado há vinte anos atrás. Enquanto Portugal seguia a ditadura do “Betoneira” Amaral, armado em Duarte Pacheco, a Irlanda inundava a minha faculdade (de Ciências) com ofertas de pós-graduações e estágios para as áreas da Matemática, da Física e da Informática. E se o fazia numa faculdade obscura dos confins da Europa, por certo fazia-o noutras faculdades. Aquilo tinha todo o aspecto de um plano a longo prazo. No final do século XX, no advento da sociedade do conhecimento, nós esmagávamos a Irlanda em quilómetros (ou milhas) de auto-estradas e eles tinham ficado com uns ranhosos duns recém-licenciados da geração rasca que mostra o rabo às propinas. Parecia que tínhamos ficado a ganhar e a Irlanda era o nosso consolo, pois estava atrás de nós em quase todos os indicadores de desenvolvimento económico.

De repente ultrapassaram-nos e nós ficámos para trás, inexoravelmente. Agora eles podiam construir tranquilamente as suas auto-estradas porque tinham escolhido a massa cinzenta certa, o cérebro e nós a errada, o cimento.

A prova que o que aqui está escrito é verdade é que apenas 0,001% dos que estão a ler estas linhas se vão dar ao trabalho de fazer a análise que propus atrás. Somos uns madraços no que diz respeito a coisas que só darão frutos a médio e a longo prazo. Por isso é preferível sonhar em ser a Floribela a estudar Matemática. Trocamos o Futuro seguro pelo Presente incerto. Em percentagem da população de jogadores do Euromilhões não há quem nos bata. Tudo serve para fazer fortuna, menos trabalhar. Isso é para os otários.

Mas, ironia das ironias, apesar de não dominarmos a Matemática, ela domina-nos a nós (o pleonasmo deve ser entendido como figura de estilo). Como de resto domina todos os outros. Nos é que não estamos conscientes disso, exactamente por não dominarmos minimamente a Matemática. Como dizia um ex-primeiro-ministro: é só fazer as contas. É porque é muito bonito quando sai o jackpot a um português de Moreira de Cónegos, mas no deve-haver do que se paga e do que se recebe do Euromilhões, Portugal é quem mais contribui per capita para o bolo europeu. No global, esta histeria pelo dinheiro fácil está a tornar-nos mais pobres e a enriquecer os outros. E tudo com um sorriso nos lábios.

A inflação dos 19 valores

Seguidamente vou dar duas sugestões: uma ao país e outra aos pais. Ao país que se deixe de tretas de “indicadores de produtividade” e porcarias do género que só fazem mascarar a verdade. Os indicadores servem para medir a realidade, para a podermos alterar quando os indicadores nos mostram que não estamos a atingir os objectivos. Os indicadores são um meio para atingir um fim. Em política eles são em si mesmo o fim a atingir. E muitas vezes não interessa com que meios. Em Portugal, especialmente no que à Educação diz respeito, a política seguida tem sido o de baixar sistematicamente a fasquia da qualidade para manter os indicadores em níveis que não nos envergonhem. Como resultado, estamos sempre bem a meio do jogo mas no final acabamos sempre por o perder. Colocar máquinas de calcular nas mãos de crianças que ainda usam a primeira dentição foi um erro crasso, uma catástrofe de proporções bíblicas que enterrou Portugal bem fundo no domínio da competitividade e que demorará pelo menos duas gerações a recuperar.

Se Portugal quiser evoluir tem que aumentar a exigência e não diminui-la. Ao diminui-la está a tornar indistinguível um excepcional aluno de um aluno apenas bom e isso é dramático. Ao colocar em pé de igualdade esses dois alunos estamos a cometer uma injustiça pessoal e um suicídio colectivo. Não vos parece estranho, que estando a qualidade média do nosso ensino e dos nossos alunos sistematicamente a baixar, as médias para os cursos mais pretendidas não pare de aumentar? Quantos grandes médicos da próxima década nós já desperdiçámos por não sermos capazes de fazer uma correcta distinção entre candidatos, nesta orgia de inflação das notas?

Vamos fazer um pequeno exercício mental. Suponhamos que uma determinada população escolar tem média de 13 valores. Pela famosa distribuição normal, vamos supor que apenas 5% têm 17 valores ou mais. Agora peguemos noutra que tem média de 10 valores e que 3% tem 17 valores ou mais e que 10% tem mais que 14 valores. Para equilibrar a coisa, baixa-se o nível da avaliação de modo a que a média passe a 13. O que estamos a fazer é “dar” 3 valores de bónus a todos os alunos. A distribuição das notas deslocou-se ao longo do eixo das abcissas. Uma vez que escala tem um limite superior, os 3% que tinham mais que 17 valores são esmagados contra o vinte. Agora temos (numa aproximação grosseira para facilitar a argumentação) 10% dos alunos com mais de 17 valores. Dirão vocês: mas o sistema corrige-se automaticamente, subindo a média de entrada e portanto não se comete nenhuma injustiça. É aqui que está a falácia. Quando se baixa o nível médio de exigência quem beneficia com isso é quem está no grosso da coluna (a maralha) e não quem está nas franjas (os raros). E quando a carreira a escolher depende de décimas estamos a tentar distinguir alunos por valores da grandeza do desvio padrão. Imaginemos o caso extremo: daqui a 20 ou 30 anos tudo o que os alunos têm que saber para entrar num curso de Medicina é saber soletrar o alfabeto. À partida todos teriam 20 valores (acredito que alguns tivessem menos). Como os distinguir nesse caso?

Apesar de este último cenário ser anedótico nos últimos vinte anos percorremos já algum do caminho que vai ao seu encontro. Então, de facto, está cada vez mais difícil distinguir os realmente bons alunos. Para distinguir um Mozart dentro de um grupo de jovens, dá-se-lhes um piano e não um bombo.

O secundário em Portugal está completamente desactualizado. A chamada via de ensino que é utilizada como referencial deveria ser reformulada. À partida todos os alunos deveriam ir para a chamada via profissionalizante. Que raio de ideia. Então não se estuda para no futuro podermos trabalhar? Por definição, qualquer via é profissionalizante. Assim seriam os bons alunos a passar para o nível superior e não os maus a serem escorraçadas para o inferior. Que é elitista e coisa e tal. Em nome de uma falsa “democracia educativa” em vez de termos uma mediania com uma excepção de génios temos uma mediania com uma excepção de burros. E no entanto, o sistema permite que essa distinção elitista se faça, não pelo cérebro mas pelo bolso. Arriscamo-nos que o Einstein português do século XXI, se alguma vez vier a existir, seja um betinho de Cascais de nome Diogo.

Finalmente um conselho para os pais. Se o país não se importar com os seus filhos e não tiver dinheiro para o pôr numa boa escola, ofereça-lhe um livro de Matemática.

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