20070308

A lei do referendo é matematicamente não vinculativa

Decidi deixar passar tempo suficiente para que o tema não estivesse tão emocional, para falar deste assunto. E vou usar os resultados do último referendo, para ilustrar a necessidade dos governos terem alguém que perceba de matemática para consultar, antes de mandar cá para fora autênticos disparates.

É que isto de colocar licenciados em direito a mexer com números tem destas coisas: o resultado final da lei é muitas vezes contraditório em relação ao próprio espírito com que a lei é criada.

Um referendo para ser vinculativo deve ter a participação de pelo menos 50%+1 eleitores. Esta é a primeira estupidez: se o número de eleitores for ímpar, por exemplo 8.000.001, quantos eleitores são 50%? 4 Milhões e meio? OK, arredonda-se. Para 4 Milhões ou para 4 Milhões e um? Se utilizarmos as regras da matemática, em números inteiros, metade de 8.000.001 são 4.000.001. Então, neste caso, o referendo para ser vinculativo deveria ter 4.000.001+1 eleitores, ou seja 4.000.002. No entanto, todo a gente está de acordo que 4.000.001 eleitores bastariam, porque é superior a metade dos eleitores. A probabilidade de um cenário destes é quase nula (está ao nível quântico) mas cria, em teoria, a possibilidade da existência dum eleitor do queijo Limiano.

Imaginem o que seria esta regra transposta para as organizações mais pequenas, com 3 ou 5 sócios. O que salva a lei do referendo, é outra lei, bem mais abrangente, a lei dos grandes números.

Afinal, o que tem o referendo a ver com isto?

O número de eleitores oficiais à data do último referendo era de 8.832.628. Para ser vinculativo bastariam votar 4.416.315. Se tivessem votado estes, bastaria que um dos lados tivesse 2.208.158 votos para passasse a ter força de lei. O SIM teve 2.238.053 votos. Ou seja mais 29.895 votos que o necessário. No entanto não teve decisão de lei. E porquê? Porque não votaram um número suficiente de adeptos do NÃO.

Faltaram 564.702 votantes para o referendo ser vinculativo. Se todos estes tivessem ido votar e tivessem votado NÃO, os resultados seriam os seguintes:

VOTANTES: 3.851.613 + 564.702 = 4.416.315 (50%+1)

SIM: 2.238.053 + 0 = 2.238.053

NÃO: 1.539.078 + 564.702 = 2.103.780

O SIM teria ganho de forma menos expressiva, mas seria vinculativo. Assim, porque os nossos deputados não percebem nada de Matemática, ainda se anda às voltas na Assembleia a discutir o que já devia estar decidido.

2 comentários:

LA disse...

Não sabia dessa! Muito bem visto! Isto não são contas de matemática, são, como se costuma dizer, contas de merceiro! E tem que vir um gajo que está de fora dizer-lhes isto!
Devias mandar esta ao Sócrates!
A intelectualidade lesvoeta também não topou esta!

Anónimo disse...

Não fui apenas eu que reparei nisso. Houve pelo menos mais uma pessoa, talvez até mais:

descobri estes dois posts que referem o assunto ainda antes de ter sido referido aqui:

http://avezdopeao.blogspot.com/2007/02/pequeno-exerccio-de-aritmtica.html

http://avezdopeao.blogspot.com/2007/02/paradoxo-vinculativo.html