20070224

Para lá do Marão

A população de Chaves cortou a estrada que liga Portugal a Espanha junto à fronteira de Vila Verde de Raia. Protestavam contra a possível decisão de despromover a urgência do concelho.

Consta que a população trouxe bandeiras de Espanha para a rua e gritou vivas à monarquia aqui do lado. Reparem neste pormenor: gritavam “viva Espanha” e cortaram a estrada que liga Chaves à fronteira. Não faz muito sentido, pois não? Não deveriam antes cortar a estrada que vai para Lisboa?

Há um ponto que merece ser esclarecido nesta história. Trata-se de saber se a população estava a Norte ou a Sul do corte de estrada. Se estava a Norte, poderia querer dizer que a população de Chaves estava na disposição de emigrar para o país vizinho em sinal de protesto para com a política do ministro da Saúde. A alternativa à emigração, seria pedir a anexação à região da Galiza. Neste caso, deveriam ter feito o corte a Sul de Chaves.

Este caso fez-me recordar a célebre frase “Para cá do Marão, mandam os que cá estão” e a sua versão lisboeta: “Os de lá do Marão, vêm cá de chapéu na mão”.

Têm toda a razão os flavienses ao considerar que deveriam ser tidos e achados nesta questão. Deveria mesmo ser feito um referendo em Chaves, a perguntar se questões como esta deveriam ser decididas em Lisboa, por um ministro arrogante ou se deveriam ser decididas pelos transmontanos.

Espera lá, esta pergunta já foi feita. Aliás, perguntou-se se além destas questões, outras, como a politica de educação, o planeamento estratégico, o ordenamento do território ou os impostos locais, deveriam ser decididos em Lisboa ou em Trás-os-Montes.

Foi no dia 8 de Novembro de 1998. Deixa cá ver o que decidiram os flavienses. Espanto! 64,3% dos flavienses acharam que deveria ser o ministro arrogante a decidir.

Pois bem, o ministro arrogante decidiu.

Os custos da interioridade

Muito se fala dos custos da interioridade. Esta é a maior treta inventada pelos citadinos do litoral e que os rurais do interior engoliram dum trago. E sem copo de água para empurrar.

A região mais interior da Europa ocidental é a Suiça. Comparado com a Suiça, Trás-os-Montes é quase Copacabana. Mesmo Madrid fica mais longe do oceano que Chaves. Interioridade é um eufemismo para alienação. Alienação do direito (e do dever) de decidir.

A culpa é de Lisboa? Não! Deve haver mais transmontanos em Lisboa que em Chaves. O problema não é esse. O problema somos nós, aqueles que vivem naquilo que os lisboetas chamam carinhosamente província. A estigmatização chegou ao ponto de se ter criado a sigla NLVT nos critérios de atribuição de subsídios da União Europeia. NLVT quer dizer Não Lisboa e Vale do Tejo. É o que nós somos. Somos uns NLVT.

Somos como aqueles adolescentes que passam a vida a dizer mal do pai que não lhes dá autonomia e é somítico na semanada. Mas, quando este os manda trabalhar, berra e esperneia, agarrado às saias da mãe. E então contenta-se com a parca semanada e sai porta fora, para a gastar em cigarros e shots de vodka.


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Ah, esquecia-me de dizer. Se estiverem a pensar pedir a anexação a Espanha, não se esqueçam que por aquelas bandas já existe aquela coisa horrível chamada regionalização. Se estão a pensar em trocar a teta de Lisboa pela teta de Madrid, desenganem-se.

Na Galiza não se pedincha, trabalha-se. E os seus destinos são traçados em Santiago de Compostela de acordo com a vontade dos galegos. De todos os galegos. E de mais ninguém, além dos galegos.



12 comentários:

Anónimo disse...

Fiquei sem palavras.
Eu e a Beti pensamos ser urgente começares a enviar estes textos para um jornal...

LA disse...

Eu também fui um dos que votei não do referendo à regionalização, são opiniões! O que não é uma opinião é que Inglaterra sem regiões funciona melhor do que Espanha com regiões!
E por eu ser contra a regionalização não quer dizer que não possa manifestar-me contra alguma coisa que esteja contra!
Como eu não estou a par da situação do hospital de Chaves, não posso falar, aquilo que sei é que a ex-mulher do Sócrates, os filhos, e por exemplo o seu ex-cunhado que é seu assessor, vivem em Chaves, e o Sócrates não é assim tão estúpido! Mas as câmaras de Chaves, Boticas e redondezas são PSD, e já se sabe...
Se Trás-os-Montes é Copacabana, muito mais são Porto e Lisboa, que também chupam uns subsídios fixes da CEE.
Tu queres ainda mais políticos, eu quero menos! Para que é que precisamos de governadores civis e a tralha toda de gajos a tomar conta de juntas de freguesia com 87 habitantes?! Isso sim, é uma realidade estúpida e fácil de ver, a regionalização é uma idéia pouco british, não gosto!!http://bloguex.blogspot.com/2006/12/curros-boticas.html

Anónimo disse...

Os ingleses também não gostam do euro, do metro e do quilograma, do sistema decimal em geral, não gostam de embargos à carne com BSE, conduzem pela esquerda, etc, etc,
A única coisa de jeito de Inglaterra é o seu humor e o José Mourinho.
Por mim punha-se a merda da ilha a uns kms (ou milhas?) para ocidente que ficava muito bem ao largo da Flórida.
Podia ser que os seus amigos americanos até os deixassem votar para o inquilino da Casa Branca, já que não podem votar para o inqulino de Buckingham. Assim como assim, já são o 51.º estado e são.
Nós só nos recordamos do vasto império vitoriano, mas os ingleses são tão mansos como os outros, ou até talvez mais. 200 anos depois do império romano ter caído, eles na ilha ainda tinham representantes do império como se ele existisse. Foi preciso ir lá avisá-los.
Anos mais tarde, Guilherme da Normandia entrou por lá dentro e arrasou aquilo tudo e substitui todos (TODOS) os nobres saxões por normandos. Ainda agora a realeza very british tem nomes francius. Depois inventaram aquela treta do Robin dos Bosques...
E de facto a Inglaterra não tem regiões, nem pode tê-las no papel. Se não, o que são a Escócia e o País de Gales? A única região mesmo é o Ulster, ocupada militarmente há meio século.
Uma Democracia muito british, mesmo..

LA disse...

Para quem estava a falar tão bem de Espanha, vires agora embirrar com a monarquia... E já te digo, eles não vão querer a república! Sabias que os gajos fazem as contas (eu fico impressionado, fazem as contas a tudo, em portugal não há nada disso!) e chegam sempre à conclusão que ganham dinheiro com a monarquia? O que eles ganham no turismo devido a terem a família real e os palácios a serem visitados, chega-lhes para pagar o que gastam com os gajos!
E mesmo aquela coisa que eu acho ridícula que é a câmara dos lordes, eles acham bem, acham que é muito útil para se chegar a uma conclusão mais sensata!
Agora vai lá tu dizer-lhes que Portugal funciona melhor! Eles não querem saber do euro, e não sei se não têm razão!
Quanto ao sistema métrico, estás desactualizado, os putos já só aprendem o sistema métrico, só nas estradas é que ainda tens milhas, e acho que isso vai mudar em breve, nos supermercados tens tudo em kg e ainda pounds para os velhos. ainda se pesam em stones e medem-se em pés, mas estão mesmo a mudar!
Não sabia que não gostavas de ingleses, pensei até que gostavas dos Duran Duran!

Anónimo disse...

Pronto, não te chateies, os ingleses são os maiores. Desde que não vás ver o Porto com a camisola do Chelsea, está tudo bem.

Nem sei porque estamos a falar dos ingleses, o post não tinha nada a ver com eles. Qualquer dia a rainha ainda te vei armar cavaleiro.

LA disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
LA disse...

Infelizmente não posso vir a ser o Sir Luis de Boticas, parece que não dão essas coisas aos emigrantes!
Eu até pelo torço pelo Benfica contra os clubes ingleses!
Tu é que começaste a falar em monarquias...

ladecima disse...

Esta coisa de meia dúzia de maluquinhos virem para o meio da rua reivindicar o não encerramento de uma urgência médica é típico do espírito paroquial do nosso Portugalzinho, mas simultaneamente percebe-se que um povo abandonado e tragicamente condenado à codêa e ao frio e sem perspectivas de futuro se revolte quando aparentemente lhe querem agora tirar a saudinha…

Do que se trata é de implementar um novo paradigma para a rede nacional de urgências: Acabar com uma rede gigante de urgências e SAPs mal equipados, com poucos médicos, muitas vezes mal preparados, que atendem meia dúzia de gatos-pingados por dia e concentrar os recursos e os equipamentos em menos locais, com equipas multi-disciplinares, que acumulem a experiência de atender centenas de doentes por dia e como tal prestem um melhor serviço às populações.

Este novo sistema pressupõe também que se reforce a rede de médicos de família e os cuidados de ambulatório que resolvem a maior parte das chamadas “urgências”…

Ora, se submetêssemos ao crivo dos rígidos princípios morais dos nossos autarcas e ao douto juízo das nossas tristes gentes esta decisão obviamente que a solução seria criar uma urgência em cada freguesia, porque aqui cada um só olha para o seu quintalzinho, e isto de perder direitos adquiridos dói mais que o reumático…

Anónimo disse...

nem mais..

ladecima disse...

Quanto à regionalização, já fui mais a favor, eu acho que é como os modelos organizacionais das empresas, há várias soluções e todas podem funcionar bem ou mal, dependendo sobretudo das pessoas.
Como país não temos uma tradição regionalista como a Espanha, bem pelo contrário, como diz o Eduardo Lourenço, temos uma hiper-identidade nacional fortíssima que nos manteve sempre unos e sem indícios de separatismos, o que não quer dizer que tenhamos um Estado forte, não confundamos, o nosso Estado é fraco e sempre o foi...

Daniel C. disse...

Sou flaviense, mas não sou especialista. A minha opinião valerá pouco talvez por isso, mas para efeitos de contraditório (esse valor constitucional tão em voga), deixo aqui a minha opinião.

1. A regionalização que aparece aqui como salvadora do centralismo acéfalo do estado Português é, do meu ponto de vista, inaplicável. Enquanto o poder local ser por demais permeável aos interesses do betão, do futebol e das imobiliárias a regionalização seria um logro. Uma autonomia progressiva das regiões para além da consequente multiplicação burocrática faria destes governos regionais exemplos de corrupção. Não duvido que na região de trás-os montes se inaugurasse em poucos anos desde linhas de tgv a aeroportos, numa espécie de Madeira continental que manteria os seus habitantes contentes, os seus governantes eternos e o resto do país a roer-se de raiva pela estúpidez pedante de tais medidas a endividarem o país e a sugarem os recursos europeus.

2. Os custos da interioridade, pagam-se caro para quem lá vive, não são invenção. Desde o acesso à cultura, a um ensino de qualidade, a cuidados de saúde condignos, à diversão tudo isto é deficitário. Não acredito que qualquer dos meus conterrâneos não se decidisse por melhores escolas, hospitais, um cinema em condições, um teatro, até uma auto estrada, mas a verdade é que nunca tivemos sequer essa opção. Não me surpreendeu ser o único transmontano no meu curso quando entrei na faculdade, por exemplo, segui ciências e no entanto obrigaram-me a aprender contabilidade porque em Chaves na escola onde estudei me obrigavam a isso por falta de oferta. Uma familiar minha tem sequelas físicas por falta de uma Rm no Hospital de Chaves e de um Ortopedista em condições. Se fosse possivel teria decidido o contrário, mas nunca me foi possivel. Se Chaves parece apática no que toca ao jogo democrático, isso deve-se sobretudo à distância social, politica, e até física ao resto do País.

3. Refere quase como um crime de lesa pátria o pedido de anexação a Espanha. Recordo-me de um cartaz que vi na manifestação, dizia "se o norte dá assim tanta despesa... ofereçam-no a Espanha". Por muito que se anuncie a retoma económica em Portugal, ela deve ser mais perceptível em LVT do que em Chaves. Em Chaves vemos que Espanha cresce 4% ao ano, que se criam 550000 postos de trabalho num ano, ganham mais, têm melhores cuidados de saúde, melhor ensino, carros e gasolina mais baratos, até a comida chega a ser mais barata. E ao contrário do que em passa em Lisboa não vemos isto no ecrã da tv, observamos à nossa porta, a 10 Km de distância ou quando vamos lá atestar o depósito, comprar tabaco, etc... Compreende a frustração?

4. Curiosamente agora que já sou um pouco mais cidadão do mundo, vejo mais inúteis aqui no país desenvolvido do que em Chaves. Sim, os flavienses querem trabalhar, se os deixarem, quando não deixam, muitos deles imigram e são brilhantes lá fora, vêm-me à ideia um conterrâneo meu que dá aulas em Harvard, apesar de tudo.

5. Sou flaviense, e não vejo um povo mandrião que pede menos mais trabalho e mais justiça, mas sim um povo que pede não ser esquecido nem tratado como cidadãos de segunda. Se o preocupam manifestações destas, saiba que mais do que o encerramento das urgências as pessoas como eu protestam para se sentirem Portugueses de direito, tratados como tal. Não se surpreenda portanto, se nas próximas eleições se baterem records de abstenção por aquelas bandas, afinal o el dorado é a 10 km e quem nos esquece e ostraciza está a 500.

Perdoe-me o comentário longo, dou-lhe os meus parabéns pelo excelente blog e convido-o a ler isto:

http://alwaysonroad.blogspot.com/2007/02/manif.html

Abraço

Anónimo disse...

E ai esta a explicacao, que tal publicar esta num jornal?

Nao sou transmontano, sou antes Aveirense, tenho familia e amigos e lisboa e chaves, coneco os dois ambientes, e acho que ninguem faz ideia do que se passa la para o norte, se calhar porque nunca la vao, e tudo o que precisam fica a distancia de uma viagem de metro, nao sabem o que seria perder o acesso a tudo isso pois para eles sao dados adquiridos.
Tomam as decisoes ali, sentados no confortavel escritorio, e vao la a cima fazer umas visitas ocasionais para dizerem que conhecem a realidade transmontana, condescendencia oportuna portanto.
Poucos foram os que se viram obrigados a largar o meio mediatico de lisboa para tentar a sorte no estrangeiro, como o povo nortenho, e poucos foram os que fizeram trabalho de campo e de industria como o que se faz la por cima.
Nao sao coitadinhos, mas sao tao portugueses como os lisboetas.

"Ahhhh...nada como passar o dia no quentinho do escritorio, passar pelo Bairro a noite, fim de semana no CCB a ver a colecao do Berardo, e a nova exposicao no Centro de Congressos de Lisboa...e ferias? Algarve certamente...melhor so copacabana"

desculpem la o desabafo, mas achei o post um tanto arrogante e mal informado